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AUTONOMIA DO PACIENTE COM DOENÇA MENTAL / AUTONOMY OF THE PATIENT MENTAL DISEASE


Volta pra casa... me traz na bagagem: tua viagem sou eu.
Novas paisagens, destino passagem: tua tatuagem sou eu.
Casa vazia, luzes acesas (só pra dar impressão)
cores e vozes, conversa animada (é só a televisão) Letra extraída da canção "Simples de coração", dos Engenheiros do Hawaii .A imagem também foi inserida pelo Blog)



O médico Agatângelo Vascocelos é o fundador do Núcleo Alagoano de História da Medicina. Psiquiatra e Professor Titular do Departamento de Saúde Integral e Comunitária da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas ,brinda a comunidade médica com mais um excelente artigo sobre os limites da autonomia do paciente portador de doença mental. Com sua visão humanística revela a complexidade e a responsabilidade do médico em estabelecer as fronteiras do paciente de se governar por si mesmo.




AGATÂNGELO VASCONCELOS


A bioética é uma reflexão multidisciplinar que não se vincula diretamente à ética profissional, nem busca soluções absolutas para os conflitos advindos da evolução científica e tecnológica ou decorrentes do relacionamento profissional-paciente.

Busca a resolução de tais divergências "a partir de uma ética minimalista que permita a solução pacífica das diferenças" (1). Admite, pois, a bioética, à luz do pluralismo moral, soluções que não são plenas, mas que permitam a convivência harmoniosa entre os contrários.

Difere, assim, da postura tradicional e hipocrática, na qual se busca a resposta definitiva, baseada no autoritarismo e no paternalismo do profissional e do seu código de ética.

A evolução do conceito e a consagração do princípio da autonomia levam-nos a considerá-lo, nos dias atuais, como sendo o direito que tem o paciente de se fazer ouvir, de decidir o que melhor lhe convém, de dispor com exclusividade sobre o seu corpo e sobre as suas ações.

Significa, também, o direito inalienável à privacidade, à verdade sobre o seu estado de saúde e sobre os meios terapêuticos eventualmente empregados para preservá-la ou restaurá-la.

Entende-se, contudo, que essa prerrogativa não tem um valor absoluto, posto que levaria a um individualismo extremado capaz de afrontar a dignidade e a liberdade dos demais indivíduos, inclusive da própria coletividade. E ai também se considera a autonomia do profissional, ditada por sua própria consciência moral e deontológica.

A beneficência deverá nortear sempre a ação terapêutica. Tem como regra definitiva o bem do paciente: o seu bem-estar, o atendimento dos seus interesses, sob o critério de bem das profissões ligadas ao binômio saúde x doença. Nesse sentido, decorre da tradição hipocrática usar o tratamento em prol do paciente. Já se disse que "a Medicina é por necessidade uma forma de beneficência" (2), o que, por extensão, se aplica aos demais ofícios da área da saúde. Entretanto, a beneficência - que aliás deverá ser superior à autonomia do profissional - há de ser limitada em sua aplicação.

A não aceitação do paternalismo hipocrático, a autonomia do paciente, bem como o princípio social de justiça, hão de ser considerados para imposição desse limite.
Já o preceito da não - maleficência é mais abrangente: é o "primum non nocere" universalmente dirigido; por definição, não comporta exceções.

Quanto ao paternalismo, como evidencia o Prof. Franklin Leopldo e Silva, resulta da assimetria existente na relação médico-paciente: de um lado o saber que confere o poder; do outro, a dependência levando à fragilização da autonomia."É a esta passagem insensível e despercebida do saber ao poder, que se chama paternalismo"(Franklin Leopoldo Silva).

Mesmo assim, o paternalismo não há de ser execrado, uma vez que, em particulares circunstâncias, ele é justificável: isso ocorre quando avaliado, através dos princípios da beneficência e da autonomia, encontra-se a correta medida para a aceitação do paternalismo. Mas há sempre o risco de um impasse entre a autonomia do paciente e o paternalismo profissional.

Pelo que expusemos, podemos entender que um dos limites da beneficência é a autonomia do paciente. Mas, no caso de doença mental, cabe indagar: que autonomia? Autonomia dirigida para
quais objetivos? Tal questionamento decorre de um fato meridianamente claro: o portador de doença mental difere substancialmente do portador de qualquer outra afecção. Aqui não se trata de um cardíaco, por exemplo, o qual além do seu coração enfermo, é afetado por toda uma repercussão em seu psiquismo, visto que não há como separar-se o corpo da mente, o somático do emocional. Porém o doente mental padece de um transtorno de sua própria personalidade, ou seja, é o núcleo de sua individualidade humana que se encontra modificado pela enfermidade, visto que o hábitat da doença mental é a personalidade.

É o seu perfil psíquico que está patologicamente alterado. É o conjunto das suas características cognitivas, volitivas e afetivas que está anormalmente modificado pelo transtorno. E daí todas as conseqüências pessoais, familiares e sociais, por vezes desastrosas. Fundamentalmente há, neste particularíssimo tipo de paciente, uma "patologia da liberdade", como propõem vários estudiosos da psiquiatria (3). Falta-lhe a capacidade de fazer opções, de arbítrio, de estabelecer normas adequadas para si e para os outros, exceto no que se refere às condições definidas e incluídas no repertório sintomatológico do seu transtorno. "Miss Paripueira" não tinha a liberdade de deixar de ser "Miss Paripueira": apenas podia escolher os adereços e a cor do vestido com os quais desfilaria no exercício do seu delirante reinado de beleza. Um indivíduo com desagregação do pensamento não consegue deixar de se expressar de forma que não seja dissociada,e isso não é um ato voluntário como o é o do literato que rompe com as regras gramaticais e semânticas por opção estética, emocional, literária.

Ora, como sabemos, a autonomia tem como pressupostos o pensamento livre, a possibilidade de agir conforme as suas opções e a existência de alternativas de ação. Marie Jahoda considera que a autonomia inclui a capacidade de autocontrole e de autodeterminação, que levam à possibilidade de auto-suficiência. É por demais evidente que essa qualidade de autonomia encontra-se altamente comprometida no psicótico.

"O ser humano não nasce autônomo, e para isto contribuem variáveis biológicas, psíquicas e culturais. Porém, existem pessoas que, de forma transitória ou permanente, têm a sua autonomia reduzida, como as crianças, os deficientes mentais, as pessoas em fase de agudização de transtornos mentais, indivíduos sob intoxicação exógena, etc." (4).

Exemplifiquemos: pacientes extremamente agressivos ou delirantes que afrontam grosseiramente as normas sociais devem ou não ser sedados por psicofármacos e, por vezes, até
contidos fisicamente? São situações-limite, bem sabemos, mas que ocorrem com freqüência na prática médica. A autonomia do paciente como a encaramos em tais circunstâncias? E a do médico?

É claro que são ocasiões nas quais deverá preponderar a reflexão chamada de "principialista" capaz de apresentar "uma referência prático-conceitual", como querem alguns autores (1,5). Configura-se o "estado de necessidade" e o profissional médico haverá de também respaldar-se nos artigos 46 e 56 do seu código ético-profissional. Legalmente estará ele amparado pelo parágrafo 3º do artigo 146 do nosso Código Penal. E se o médico não intervier nas situações-limite, mesmo indo frontalmente de encontro à vontade do paciente, incorrerá nas cominações previstas no art. 135 do Código Penal, concernente à omissão de socorro.

Para finalizar, lembremos que a autonomia não é uma outorga, é uma conquista. Há de ser respeitada, quando existe.

Não é o que acontece com os portadores de doença mental,via de regra. O prof. Volnei Garrafa, afirma: "Para a bioética a essência é a liberdade, porém com compromissos e responsabilidade"
(1).

Lembremos ainda que a avaliação da autonomia de um paciente é sempre uma tarefa complexa e uma decisão de alta responsabilidade. As desordens mentais nem sempre são totais e nem sempre são definitivas. Não é, pois, apenas o diagnóstico de doença mental que definirá sobre a incapacidade do indivíduo para exercer a sua autonomia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GARRAFA, V. Bioética e ética profissional: esclarecendo a
questão. Medicina. Órgão oficial do Conselho Federal de
Medicina, Brasília, 13(97): set., 1998.

2. BERNARD, J. De la biologíe à l'éthique. In: KIPPER J. D. CLOTET,
J. Princípios da beneficência e da não-maleficência. Iniciação à
Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

3. GRANDINO, A. e NOGUEIRA, D. Conceito de Psiquiatria.
São Paulo: Ática, 1985.

4. MUÑOZ, D. R. e FORTES, P. A. C. O princípio da autonomia e o
consentimento livre e esclarecido, In: KIPPER J. D. CLOTET, J.
Princípios da beneficência e da não-maleficência. Iniciação à
Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

5. PESSINI, L. e BARCHIFONTAINE, C. de P. Bioética, do principialismo
à busca de uma perspectiva latino-americana, In: KIPPER J.
D. CLOTET, J. Princípios da beneficência e da não-maleficência.
Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina,1998




Museu de História da Medicina, localizado no prédio da Sociedade de Medicina de Alagoas


Rua Barão de Anádia, 5 - Centro, Maceió - AL, 57020-630(0xx)82 3223-3463
MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA EM ALAGOAS PROF. AGATÂNGELO VASCONCELOS.
VIAGEM NO TEMPO, VEJA O LIVRO DE REGISTRO DAS PROFISSÕES DA ÁREA DA SAÚDE.MATERIAL DIVERSOS, ESTOJOS CIRÚRGICOS, MESA CIRÚRGICA, UM ACERVO BASTANTE INTERESSANTE. O PRIMEIRO PNEUMOTORÁX PARA TRATAMENTO DE TUBERCULOSE REALIZADO PELO DR. SEBASTIÃO DA HORA, REGISTRADO EM FOTO E O PRÓPRIOAPARELHO UTILIZADO.

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